segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Gira o mundo

Desafio Literário deste mês pediu um autor regional. Escolhi bem escolhido um mineiro. Porque os mineiros comem quietos. E comem muito bem, diga-se de passagem. Um povo de mesa tão farta e deliciosa merece todo o meu respeito e admiração.

E escolhi Fernando Sabino. E das suas obras, O Grande Mentecapto - relato das aventuras e desventuras de Viramundo e de suas inenarráveis peregrinações.

Na definição do próprio autor, um romance picaresco. Como já disse aí em riba, é um relato da vida de Geraldo Boaventura, o tal do Viramundo, um homem livre de verdade. Conta um pouco do tempo de moleque arteiro nascido em família simples e gigantesca (treze filhos no total) - desfilando diante dos olhos coisas que eu nem lembrava mais de aprontar quando criança, tipo seguir formigas pra ver onde iam, brincar com fogo e mijar na cama, ser mordido por marimbondo e ficar com cara inchada, cair da árvore e se machucar, contar estrelas no céu e ficar com "berrugas", ir à missa aos domingos, pensar na morte da bezerra, chorar escondido, ficar acordado de madrugada ouvindo o galo cantar...

Etc, etc, etc...

Pois Viramundo virou homem e foi-se embora estudar num seminário. Aprontou lá e acabou expulso. E então começam suas andanças pelo estado de Minas Gerais. Em cada cidade um episódio maluco. Tipo se apaixonar perdidamente pela filha do Governador Geral, ser preso num hospício, candidatar-se a prefeito da cidade, se alistar na cavalaria de Juiz de Fora, dormir com um fantasma, liderar uma rebelião de mendigos, doidos e prostitutas, e finalmente, cumprir o seu destino.

E através deste espírito livre, letrado e alienado o autor faz uma bela homenagem à literatura mineira, sugerindo vários grandes escritores nascidos naquelas bandas montanhosas, alem de outras declarações espalhadas entre capítulos:

Ai, Viramundo de minha vida, que vira Minas pelo avesso sem revelar aos meus olhos o seu mais impenetrável mistério. Ai, Minas de minha alma, alma de meu orgulho, orgulho de minha loucura, acendei uma luz no meu espírito, iluminai os desvãos do meu entendimento e mostrai-me onde se esconde esse vagabundo maravilhoso, esse meu irmão oligofrênico que no fundo vem a ser o melhor de minha razão de existir. (...) Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza da sua loucura. (p. 187, 188)

O texto é narrado como um relato, mesmo. O autor dialoga com o leitor o tempo inteiro, acenando o que vai acontecer no capítulo a seguir, ou dando explicações de onde conseguiu as informações descritas. Faz do leitor seu cúmplice na tarefa de tentar entender a vida da personagem. E isso é bem bacana porque tira um pouco do excesso de humor da narrativa. Resta um texto denso, apesar de engraçado. Porque, pensando bem, apesar de toda utopia nas situações, Viramundo é a alma livre de cada um, finalmente liberta. Pena que o mundo não está preparado para recebê-la...

O grande mentecapto
Fernando Sabino
Ed. Record
232 páginas

5 comentários:

  1. Beleza de resenha! Estive vendo aqui na minha estante e o Viramundo está mexido e remexido, tem sofridas marcas na lombada, mas creio mesmo não o ter lido. Nem sei como é que eu lhe contei dele algumas partes; vai ver que só li uns pedaços, um causo ou outro, pois sua resenha acaba de me convencer ser tal livro novo para mim. Pior foi ter-lhe dito que o livro era assim, mais ou menos... Vai ver, o grande mentecapto sou eu. beijo!

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  2. Tks doc! E relaxa. Vc deve ter lido sim... só que qdo leu não enxergou do jeito que eu enxerguei. Normal né. O importante é ler, independente das opiniões alheias!
    E já te disse zilhões de vezes: minhas resenhas são suuuuuper parciais. Não me leve a sério, NEVER!
    :)

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  3. Dani,
    já li mas não tenho boas lembranças, só lembro que achei meio chatinho! Talvez esteja na hora de reler.
    abs
    Jussara

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  4. Esse trecho tem muito de prosa poética. Gostei do excerto, apesar de achar que essa não seja uma leitura fácil. Beijocas

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  5. Oi Vivi! Jura que achou a leitura difícil? Achei macio como manteiga... o que é a percepção humana, né?
    Valeu deixar o comment!
    Beijão

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