terça-feira, 7 de junho de 2011

O valor dos insultos

Um rapaz, filho de um próspero e afortunado comerciante indiano, bem estabelecido em Calcutá, recusando-se a seguir com os negócios do pai, anunciou que tudo largaria para ser discípulo de um famoso mestre que vivia na cidade. Tendo procurado pelo guru, entretanto, este não o aceitou, por considerá-lo jovem ainda, bastante imaturo. Decepcionado, ao retornar para casa, foi alvo de chacotas e insultos de seus familiares, que passaram desde então a ridicularizá-lo em tudo aquilo que fazia ou dizia. O jovem, que se viu assim em constantes discussões com seus entes queridos, foi novamente ter com o sábio.

Tendo ouvido suas queixas, ele lhe disse: "De hoje em diante então, dê uma rúpia a todo aquele que o insultar; independentemente de quem seja seu ofensor, nada responda, apenas pague, e ainda, se o insulto lhe parecer muito grande, pague então cinco rúpias a quem o xingar assim".

O moço nada entendeu mas achou melhor fazer o que lhe recomendava o mestre. E passou a dar moedas aos que o ofendiam, sem nada responder diretamente a eles. Não tardou, os mendigos da região descobriram a brecha e passaram igualmente a dirigir todo tipo de impropérios ao jovem, que passava por eles dando-lhes suas moedas em troca de cada ofensa recebida. Com o espalhar da notícia, aglomerou-se às portas de sua bela casa uma pequena horda de vagabundos que simplesmente viram naquela prática uma maneira de ganhar moedas facilmente. E o rapaz, conforme lhe instruíra o mestre, pagava a todos que o insultavam uma rúpia, e dava outras cinco àqueles que o desmoralizavam mais  gravemente.

Houve um dia então em que o rapaz acordou incomodado com tudo aquilo e resolveu questionar o guru. Tendo ido à sua presença, assim se colocou: "Faz três anos que sigo estritamente vossa recomendação, amado mestre, mas nada entendo do porquê de estar dando moedas em troca de agressões, em todo caso... até quando devo continuar agindo assim?"

"Há três anos que faz isso? - exclamou o guru - nossa, nem me lembrava de ter-lhe dado tal tarefa, aliás, para ser sincero, já havia me esquecido de você. Em todo caso, continuo impossibilitado de acolher em minha escola novos alunos, contudo, creio que você agora esteja pronto a ser admitido no Templo Proibido de Daramshala. Libere-se desta tola tarefa que lhe dei, largue imediatamente tudo o que tem, disponha somente do necessário para viajar e siga para Daramshala na aurora”.

O jovem nem perdeu tempo. O Templo Proibido de Daramshala, situado no norte da Índia, nos altos montes dos contrafortes do Himalaia, era simplesmente o mais conceituado dos templos, lugar de privilégio dos grandes iniciados no esoterismo hindu. Despedindo-se definitivamente de seus familiares todos, que se mostraram atônitos com tal decisão, para lá se dirigiu o moço. Longa peregrinação!

Depois de dificultosa viagem, finalmente ao deparar-se com o Templo Proibido, viu o moço que seus grandes portões estavam cerrados, e que toda uma turba de mendigos vivia ali assentada, sobrevivendo de alguma comida que os monges lhes davam. Ao verem chegar o rapaz, tendo percebido que era alguém de posses, passaram a insultá-lo e a caçoar dele, galhofando: "Olhem só o idiota que chega para ser monge, jamais será admitido ao Templo Proibido". Outros diziam, "Só mesmo um trouxa chega até aqui pensando que os portões lhe serão abertos assim, à toa!" "Estamos mesmo diante de um jovem tão rico quanto imbecil", gargalhavam outros tantos. O rapaz, vendo o que lhe acontecia, caiu também na risada. E ria largamente quando um dos mendigos dele se aproximou, interpelando-o de modo a
intimidá-lo: "Por que é que ris assim destes todos que caçoam de ti?" Com toda serenidade do mundo, respondeu-lhe o jovem peregrino: "Ora, há três anos sou obrigado a pagar a todos os que me xingam, agora posso rir completamente à vontade disso tudo; rio desses pobres miseráveis e rio ainda de mim mesmo, só por constatar que estou sendo xingado de graça, que aquilo por que sempre paguei, em verdade, já não me custa nada. Bobagem a nossa levarmos as coisas todas para o lado pessoal, menos ainda creio seja importante dar atenção à opinião dos outros em detrimento da consciência que devemos ter de nós mesmos. E digo ainda que todos os problemas talvez possam ser solucionados se mudarmos apenas nosso modo de olhar para eles".

Tendo ouvido isso, o mendigo lhe respondeu: "Olha-me bem, olha nos meus olhos." Ao reconhecer o antigo guru de Calcutá, o jovem estremeceu. "Sim, sou eu, prosseguiu o mendigo, sou teu velho guru disfarçado de mendigo; acompanha-me que entraremos juntos e te iniciarei nos grandes Mistérios do hinduísmo. Vejo que estás definitivamente despido de teu ego e pronto para começares tua nova vida..."

Conto escrito e cedido gentilmente por Paulo Urban, amigo virtual, contador de histórias e irmão de letras!

Você encontra mais sobre ele aqui ó:   www.amigodalma.com.br


Valeu Paulo!!!!

2 comentários:

  1. Que sintonia mágica!
    Hoje mesmo li esta história num livro, mas ele se referia a um indiano que havia vendido sua sombra a Mara, e o mestre aconselhou a dar uma rúpia para cada pessoa que viesse comunicá-lo da perda da sua sombra.

    Enfim, a mesma história com palavras diferentes.
    Muito legal.
    Bjs

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  2. Flor Baez: pois escrevi esta história com base numa historinha de um parágrafo só, proveniente da tradição oral grega. Mudei quase tudo e acrescentei a ela um monte de detalhes.

    Por favor, manda pra mim esta história que você leu, pois não a conheço e adoraria conhecer melhor que sincronicidades são estas, ok? Meu e-mail: urban@paulourban.com.br

    Muito obrigado!

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