sábado, 28 de maio de 2011

Nostalgias

A dona Catarina cortava meus cabelos. Eu, tão pequena, ainda tinha cachinhos alourados que se espalhavam pelo chão da sala ampla e iluminada naturalmente pela enorme janela de vidro sem cortinas, enquanto olhava fixamente suas mãos mexendo daqui pra alí, tesoura entre os dedos, tic tic tic.

Eu em silêncio profundo, ela não me recordo ao certo se conversava com minha mãe ou apenas respirava profundamente, tic tic tic. Minhas impressões são poucas...

E mesmo assim dona Catarina nunca saiu da minha memória.

Uma presença sem contornos definidos. Talvez baixinha, talvez de óculos, talvez de camisa listrada e colete de lã. E dedos ágeis, tic tic tic. Uma cadeira alta, um espelho, um balcão no canto da sala. A casa dela era nos fundos da minha, a entrada era pela rua debaixo. Dava-se uma volta imensa para chegar no lugar que eu enxergava por cima do muro.

Num dia chuvoso recebemos a notícia de que dona Catarina morreu. Atravessando a rua descuidada, o caminhão não conseguiu párar a tempo... escutei uns rabichos das conversas adultas, das lamentações costumeiras, "só sofre com a morte quem está vivo" e outras coisas assim.

Não sofri. Eu era tão criança... mas aquela sala, naquela casa, naquele clima, tic tic tic... até hoje consigo reviver aquela sensação de segurança das crianças bem cuidadas pelos pais, sempre que eu entrava naquela sala enorme, com a luz entrando pelo janelão sem cortinas.

Dona Catarina cortava meus cabelos e me dava recordações para o futuro.

Meus cabelos não são os mesmos. Nem a minha casa. Há alguns bons anos me mudei daquela de onde eu via os fundos da casa da dona Catarina... que hoje sei que é apenas um lugar abandonado em que os ratos fazem a festa e o mato toma conta - dizem os atuais vizinhos.

Daquilo tudo sobrou apenas estória pra contar.

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